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segunda-feira, 29 de junho de 2015

Pessoa e o ser ou não ser do PT


Enquanto o partido não definir um programa coerente, a tendência é o esvaziamento da legenda

Sobretudo na retórica, a nova safra de delações selecionadas aumentou a pressão sobre Dilma Rousseff. Paradoxalmente, serviu também para enfraquecer a oposição.

A história de Ricardo Pessoa, da empreiteira UTC, pertence ao gênero do irrealismo fantástico. A começar da exposição de motivos. Segundo o executivo, as negociatas entre governos e empresas perseguiam objetivos nobres. "Fazer a engrenagem andar", "impedir retaliações contra quem não colaborasse", "abrir portas" e outras platitudes.

Em benefício da dúvida, suponha-se que personagem tão impoluto tenha falado mesmo o que apareceu impresso e pense ter abafado. Aí imaginamos que o sujeito realmente possui um coração de ouro com dinheiro alheio. Uma espécie de "plutodemocrata".

A saber: pagou ministros do TCU, deu mesada para o filho do presidente do mesmo tribunal, comprou o PT, comprou o PSDB, comprou o PSB, comprou o PR, comprou o PMDB e ainda deu R$ 20 milhões para o ex-presidente Collor. Só faltou ter adquirido o Cristo Redentor.

A delação divulgada afirma que a eleição de Dilma drenou R$ 7,5 milhões dos cofres da UTC. Pelo menos aqui Aécio Neves ganhou da adversária. Sua campanha agasalhou R$ 8,7 milhões do empreendedor preocupado com a marcha do capitalismo. Interessante: no total, suas doações declaradas aos tucanos foram maiores do que o dinheiro para o PT, inclusive em São Paulo.

Há duas hipóteses, complementares e não excludentes. Interessado na própria sobrevivência, Pessoa jogou a UTC no ventilador para ver como é que fica. Quanto mais alvos atingir, melhor. Deixa que o Moro faz o resto.

A outra possibilidade é a de que a bandalheira está institucionalizada no país. São ridículas, para ser elegante, as tentativas da oposição de convencer que a dinheirama recebida por ela é limpa e a fatia da situação, coisa podre. Mas depois da excursão Cantinflas à Venezuela, nada mais surpreende vindo de Aécio e sua turma.

Na última semana, Lula soltou o verbo. Lamentou que seu partido parecesse mais interessado em salvar a pele e segurar cargos do que em defender um projeto.

Esse é o ponto. Qual o projeto do PT hoje? Será possível mobilizar a militância para defender cortes em educação, habitação, saúde, em direitos trabalhistas, nas aposentadorias? Lula pode ser --e é-- um excelente orador. Mas sem a "mistura", como se diz na casa de gente de carne e osso, o arroz com feijão perde o encanto.

O problema do PT não é a idade dos militantes --embora o afastamento da juventude seja sintomático. Vale a pena citar o professor Paul Singer: "O que acontece é luta de classes. Trabalhadores assalariados e patrões capitalistas têm interesses opostos." Singer tem 83 anos, mas preserva intacta a juventude de raciocínio. Em outras palavras, falta um programa coerente ao partido. O que temos para hoje é uma antítese da pregação original. Uma salada de projetos de longuíssimo prazo condimentada com sacrifícios de curtíssimo prazo para a maioria.

Cabe ao PT mudar a receita se quiser enfrentar uma luta política cada vez mais agressiva. Bem entendido, isso não é garantia de nada após tantas derrapadas. Mas ao menos manteria a legenda dentro do jogo com um discurso definido.

Baboseiras como governabilidade, superavit primário e obsessão inflacionária são tão convincentes e inteligíveis quanto um alemão de bolso cheio discursando para gregos em petição de miséria.

Ricardo Melo - Na Folha

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